Júlia (nome fictício) enfrenta o HIV há dez anos. Ela tem uma filha de 9, também soropositiva. Quem a contaminou com o vírus foi o ex-namorado, hoje já morto. Quando começaram a ter relações sexuais ele já era HIV.
Ele não avisou Júlia.
“É algo tão importante. Mas ele não estava nem aí. Não queria saber e me contaminou mesmo. E o pior é que minha filha também acabou tendo que enfrentar isso, assim como eu”, lamenta a jovem.
A família do ex-namorado de Júlia diz que ele sabia dos riscos. O que fazia, de transar sem avisar sua condição viral, o fazia de forma deliberada. “Ele dizia ‘Eu fui contaminado assim também. Não estou nem aí para quem passar pelo meu caminho’, e saía espalhando a doença”, revela a irmã.
Júlia foi a única que acabou sendo contaminada. Deliberadamente aquele homem marcou a vida dela para sempre, e o fez de forma consciente, pode-se dizer até premeditada.
A doença não se apresenta mais da forma que o fazia antes. Soropositivos não são mais pessoas debilitadas, com “cara de doente”. Estão nas academias, nas escolas, nas universidades. São heterossexuais, homossexuais, homens, mulheres, jovens, velhos. Não existem grupos de risco, não existe um padrão. Todos correm risco.
Ódio - O comportamento do ex-namorado de Júlia não é estranho. Barebacks, clubes do carimbo, homens com seringas em ônibus. Histórias de pessoas que, por algum motivo, ou seja ódio e desejo de vingança, ou seja vontade de transformar a doença em algo mais “comum”, ou seja a falta de conhecimento, querem passar para a frente a herança do HIV, são a cada dia mais comuns.
“Este comportamento é fruto de um novo entendimento do papel da AIDS no mundo. Os portadores não querem ver a doença como um risco à sua vida. Querem enxergar que o HIV é um mal crônico, como a diabetes, ou a pressão alta, mas não é nada disso”, afirma Angelita Lucas, especialista em visibilidade de portadores de HIV.
Sintomas - Há uma grande mentira nisso. Ainda que a Organização Mundial da Saúde considere o HIV uma doença crônica, o convívio com ela não é nada pacífico. Os sintomas da doença são terríveis, e os efeitos colaterais da medicação também.
“Vão desde diarréia constante até aceleração de processos cardíacos e um possibilidade maior de contrair câncer. A diarréia é tão forte que tem pessoas que precisam usar fralda. Outras não conseguem sair de casa. Náuseas fortíssimas, vômito, perda de peso, de massa muscular. Tudo isso acontece ao tomar o coquetel”, explica Ivoneide Lucena, chefe do Núcleo de DST/AIDS e Hepatites Virais da Secretaria do Estado da Saúde.
Apenas a camisinha é um meio seguro e efetivo contra o vírus. Seu uso previne e evita a transmissão. Qualquer relação sexual que não conte com a camisinha é uma porta efetiva para a entrada da doença.
Abandono - Conviver com a doença é um desafio. Ainda mais quando se é abandonado. Antes de conhecer Júlia, o homem do início da história já havia deixado duas filhas. As meninas nasceram com a doença. Ao nascerem foram abandonadas por ele e pela ex-esposa, que desapareceu. Elas foram adotadas pela tia, que cuidou das meninas, que têm, hoje, 19 anos. São gêmeas e precisam acompanhar o tempo todo sua carga viral.
“Ambas, hoje, namoram. Os namorados sabem do vírus, mas continuam ao lado delas. São dois casais lindos”, revela a tia, que prefere ter a identidade preservada, e que é mãe adotiva de outras quatro crianças.
Preconceito - No início, no entanto, o preconceito era muito grande. uma prima das meninas, que conhece toda a história, conta do medo que a própria mãe tinha do tio soropositivo.
“Eu chegava na casa da minha avó e saía pedindo a benção para todos os meus tios. Quando chegava nele, eu olhava para a minha mãe, e ela fazia que não com a cabeça. Eu era criança. Não entendia o porquê”, explica a moça. Todas as pessoas da família pediram sigilo. A vida das meninas não é conhecida de seus amigos e colegas. Apenas as pessoas realmente importantes sabem desta dura realidade.
Até terem entendimento do que quer dizer conviver com a AIDS, este comportamento era comum. “Ele tinha talheres separados, toalha separada. Onde ele sentava a minha avó limpava logo depois”, descreve a sobrinha.
Tudo isso, esta segregação, mesmo no seio familiar, contribuiu para alimentar o ódio no coração daquele homem. Isso também o tornou a “bomba viral” que viria a explodir no colo de Júlia. “Quando descobri que ele tinha me passado a doença eu pensei que minha vida tinha acabado. Consegui me levantar a duras penas. É muito difícil enfrentar isso”, lembrou.
Ao invés do ódio, hoje, na família, reside o amor. A tia adotiva das duas meninas ainda quer ir mais longe. Quer adotar mais crianças. “Tem espaço para mais. Quero que meu próximo filho seja, também, HIV positivo. Quero muito dar amor para estas crianças”, conclui.
João Thiago
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