A ‘espionagem eleitoral’ parece ter caído no gosto dos políticos. Detetives particulares, alguns importados até de Estados como São Paulo, já estão em ação na Paraíba atraídos pelo mercado de dossiês no período eleitoral. Muitos já têm contratos para as eleições municipais de 2012. O objetivo principal dos contratantes: inviabilizar a candidatura dos adversários ou até mesmo de companheiros de partido.
Em meio a essa disputa, equipamentos de última geração e uma despesa alta, que certamente não constará na prestação de contas de campanha. Os custos, que não garantem a eleição, podem chegar a R$ 50 mil. Detetives particulares ouvidos pelo Correio revelaram que é comum políticos do Estado contratarem este tipo de serviço.
Os recursos usados na espionagem vão desde escutas ambientais em automóveis, acompanhamento de pessoas e veículos, via GPS (rastreamento por satélite), monitoramento de telefone (grampos e escutas) e de computadores, além do uso de micro câmeras escondidas. As investigações incluem ainda vídeos, levantamento de bens, vida pessoal e ficha criminal do candidato-alvo. Vale até infiltrar espiões nas equipes de campanha dos adversários.
Profissional da área há mais de 10 anos, o detetive identificado por João confirmou que já tem trabalho encomendado para as eleições de 2012, quando serão escolhidos prefeitos e vereadores dos 223 municípios paraibanos. Ele preferiu não dizer se candidato a ser investigado vai concorrer ao cargo de vereador ou prefeito.
As ‘encomendas’ incluem a capital, João Pessoa, cidades do Litoral, Sertão e do Brejo paraibano. Essa não é a primeira eleição municipal em que João atua. O detetive informou que investigou candidatos nas eleições de 2008 (municipais) e 2010 (presidente, senador, governador, deputados federais e estaduais).
Uma das investidas, nas eleições de 2008, mais precisamente em João Pessoa, rendeu o pedido de impugnação de candidatura, que ainda está rolando no Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB). O investigado concorreu a uma vaga na Câmara Municipal.
O detetive contou ainda que, nas eleições do ano passado, um deputado estadual, candidato a uma vaga na Câmara Federal, contratou os serviços para tentar inviabilizar a candidatura de um vereador, do mesmo partido, para a Assembleia Legislativa.
João informou que o vereador perdeu a disputa, mas o deputado ocupa uma cadeira na Câmara Federal. “Ele me contratou, não teve uma postura correra e não me pagou até hoje”, desabafou o detetive. O serviço foi acertado pelo valor de R$ 25 mil.
Ele declarou ainda que dois candidatos a prefeito nas eleições do próximo ano já contrataram os serviços de espionagem eleitoral para investigar os adversários. O contratante solicitou um levantamento completo da vida pregressa e todos os passos do ‘adversário’ até as eleições (falta pouco mais de um ano). As provas serão registradas através de fotos e vídeos e entregues, juntamente com um relatório informando detalhes das investigações.
O detetive dá a dica: “quem pretende se candidatar começa a trabalhar um ano antes e as investigações também começam bem antes das eleições, pois quanto mais provas conseguirmos melhor será para inviabilizar a candidatura do investigado”.
Os pedidos mais comuns são para investigar a doação de produtos da área de construção civil, remédios, objetos domésticos, viabilização de internamentos, cirurgias, propaganda eleitoral irregular e a comprovação de compra de votos.
No início do mês, o anúncio de que a Polícia Federal encontrou um grampo telefônico e ambiental no gabinete do presidente da Assembleia Legislativa, deputado Ricardo Marcelo (PSDB), deixou muitos políticos desconfiados. O detetive confirmou: os grampos telefônicos fazem sim, parte do pacote. Adiantou já ter feito grampos a pedidos de vários políticos.
Os custos dos serviços variam de acordo com o cargo a ser disputado. Para investigar candidatos a prefeitos, João chegou a cobrar R$ 50 mil. Quem tiver pensando em pagar os serviços com o dinheiro arrecadado durante a campanha, melhor desistir. João fez questão de dizer que o pagamento tem que ser à vista. “Já levei calote de muitos políticos que não gostam de pagar e por isso não aceito nem cheque”.
Alta tecnologia
A dupla de investigadores Pedro e Cristina afirma usar todos os recursos que a tecnologia permite para atender à solicitação dos clientes. Para eles, relógios de pulso, de mesa, de parede, uma caneta ou um simples boné podem revelar o que muitos políticos escondem sob sete chaves.
Pedro relatou já ter realizado mais de 10 investigações para políticos paraibanos e que muitas das investigações visam “derrubar e flagrar ações que complique a vida do adversário. O que eles mais pedem é flagrante de compra de voto e pagamento de propinas que é proibido pela lei”.
Ele já executou trabalhos de investigação política no Estado que foram contratados a profissionais de São Paulo. De acordo com Pedro, alguns políticos paraibanos acreditam que os investigadores de outros Estados trabalham melhor que os locais, “mas se enganam, porque eles cobram um valor maior que o nosso, terceirizam o serviço e nós executamos”.
O grampo telefônico é o serviço mais solicitado ao detetive, que está no mercado há 22 anos. Ele informou que recebe pedidos diários para esse tipo de serviço, mas não o executa, para não gerar complicação com a justiça. “Muitos ligam diariamente pedindo para eu fazer grampo, mas mando eles pedirem a autorização a Justiça”.
O preço de uma diária da dupla é estabelecido de acordo com a complexidade do caso e varia de R$ 300 a um R$ 1 mil, mas “nenhum trabalho é fácil porque partimos do zero e temos que encontrar o que o cliente pede”. Ao fim da investigação, as provas coletadas são entregues em um DVD, que pode ser usado da maneira que o contratante do serviço achar melhor.
Pedro afirmou que os políticos paraibanos também estão preocupados com suas vidas conjugais e que já o contratou para investigar os passos das companheiras. Ele preferiu não dar pistas se os políticos são prefeitos ou deputados.
Empresas de São Paulo atuam na Paraíba
O serviço de espionagem eleitoral na Paraíba já ultrapassou as fronteiras. A detetive Fabiana, que atua em todo o país e mantém escritório em São Paulo, afirmou que já realizou investigação para parlamentares paraibanos. Ela informou que o trabalho consiste em acompanhar os passos do investigado, oito horas por dia, durante o período para o qual o serviço for contratado.
A detetive explicou que seja qual for o trabalho, ele será executado e o resultado da investigação será comprovado por meio de relatório, fotos e vídeos. Uma semana de filmagem custa, em média, R$ 2 mil à vista e R$ 2,5 mil em duas parcelas, sendo 50% na assinatura do contrato e o restante no término do serviço. O mês de investigação sai por R$ 7 mil, à vista, e R$ 7,5 a prazo.
Fabiana não quis revelar os trabalhos que já executou para os políticos paraibanos por conta do sigilo que a profissão lhe pede. “Eu não posso dar referência nenhuma, pois assim, eu estarei quebrando o sigilo do cliente e fornecendo indícios que podem levar a quem me contratou”.
Infiltrados na equipe de campanha
O tempo é um fator determinante para as investigação. Para o detetive Marcos, é necessário contratar o profissional pelo menos seis meses antes das eleições. Ou seja, a temporada de investigações deve esquentar mesmo a partir de abril de 2011. No mercado paraibano há quase 30 anos, Marcos afirma ter prestado serviços, recentemente, para um prefeito de um município próximo a João Pessoa. O profissional disse que é comum receber propostas de políticos, principalmente, de prefeitos.
As solicitações acontecem geralmente em anos eleitorais e os pedidos mais comuns são os de reunir provas para impugnar a candidatura dos adversários. Ele contou que no interior do Estado essa prática é muito comum e que já atendeu a vários prefeitos. Agora, para contratá-lo, é preciso se antecipar.
“Eu já recusei muitos trabalhos porque me procuravam faltando uma semana para as eleições. Para realizar um bom trabalho é preciso começar a investigação pelo menos com seis meses de antecedência”, ressaltou o profissional.
De acordo com Marcos, esse é o tempo mínimo para a equipe conhecer a cidade onde vai trabalhar e a rotina do investigado. Ele alertou que quanto antes os serviços forem solicitados melhor para infiltrar um espião na equipe de campanha do candidato investigado. “Se deixar o investigado escolher o grupo que trabalhará durante a campanha ficará mais difícil para infiltrar o meu pessoal e podemos perder informações preciosas”, frisou o detetive.
A investigação
O detetive Marcos explicou que toda investigação parte de indícios colhidos pelo contratante do serviço. Segundo ele, nenhuma investigação começa do zero e, no caso de investigação política, quando alguém resolve contratar um detetive é por que tem de 80 a 90% de certeza de que o investigado está indo de encontro à lei eleitoral. Ele disse que o político que contrata o serviço pode usar o material que for fruto da investigação da maneira que achar melhor, pois “meu objetivo é o objetivo do cliente”.
O detetive ressaltou que vídeos, fotografias, escutas telefônicas e materiais comprometedores - que ele não quis exemplificar - colhidos pela equipe de investigação podem ser usados de diversas formas, inclusive, em guias eleitorais. ”Como esse material será usado fica a critério de quem contratou o serviço. A maioria dos políticos que me contrata usa para inviabilizar a candidatura adversária e se ele ganhar para impedir que tome posse”.
Para reunir o máximo de provas contra o investigado, Marcos mantém uma equipe de cinco pessoas. Mas, o número de pessoal usado em cada trabalho é definido de acordo com a complexidade da investigação. O grau de dificuldade também definirá o valor a ser cobrado pela a execução do serviço. “Tem trabalho que duas pessoas resolvem e têm outros que precisam de cinco”. Ele já chegou a seguir uma pessoa 24 horas revezando os investigadores.
O trabalho mais barato que Marco já executou foi de R$ 5 mil e o mais caro, que durou dois meses, lhe rendeu R$ 30 mil. Ele trabalha em parceria com a detetive Eva Reis, juntos fazem todo tipo de investigação. O nome Marcos é fictício. “Nós somos autorizados pela Secretaria de Segurança a usar nomes fictícios”, informou o profissional.
TRE: investigar por conta própria é crime
O corregedor Regional Eleitoral da Paraíba, juiz João Batista, faz um alertou aos parlamentares que estão investigando os passos dos adversários: estão cometendo crime eleitoral e serão submetidos a julgamentos e punidos, conforme determina o a Lei Eleitoral ou Lei das Eleições 9504/97.
O juiz explicou que, se confirmada, essa prática é totalmente ilegal e fere não so a Lei Eleitoral, mas também vai de encontro ao artigo 5º da Constituição Federal que garante o direito de privacidade a todo e qualquer cidadão. “O político que se que se achar no direito de investigar outro, será submetido a processo eleitoral e penal. O particular não pode por si só investigar outro particular. Pois ele não tem o poder de polícia e esse tipo de atitude cabe as autoridades”.
De acordo com João Batista, quando um político entende que outro está agindo de forma deve recorre ao Tribunal instaurar um processo de investigação eleitoral para levantar provas contra o acusado. Se comprovado a ilegalidade, o político responderá perante a lei.
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